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Cachoeira do Sul, Rs, Brazil
Fundada em 19 de Junho de 2000, com objetivo de pesquisar, resgatar e incentivar a cultura e os costumes da raça negra através de atividades recreativas,desportivas e filantrópicas no seio no seu quadro social da comunidade em geral, trabalhar pela ascensão social, econômica e politica da etnia negra, no Municipio, Estado e no Pais.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Sobre um editorial de O GLOBO

Nei Lopes
Cantor, compositor, escritor, advogado e historiador, iniciou a carreira musical na década de 70, cantando no LP "Tem Gente Bamba na Roda de Samba" e tendo sua composição "Figa de Guiné" (com Reginaldo Bessa) gravada por Alcione. Autor da "Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana" - Selo Negro - Edições


No auge das discussões sobre o “Estatuto da Igualdade Racial”, as opiniões contrárias à aprovação do texto pelo Congresso procuram caracterizá-lo como uma ameaça ao convívio supostamente pacífico que reinaria entre os vários segmentos étnicos da sociedade brasileira. É o caso agora do editorial intitulado “Grave Ameaça”, publicado na edição de 6 de janeiro de O Globo.


No texto, o jornal condena Brasília por “importar modelos aplicados em sociedades diferentes da nossa”, referindo-se aos Estados Unidos, “país símbolo dessas ações ditas afirmativas”, como ressalta. Como se, desde pelo menos a Segunda Guerra, o Estado e a sociedade brasileira não tivessem sido contumazes importadores de modelos emanados da sociedade norte-americana.

E como se a “democracia racial” brasileira não tivesse sempre conhecido, bairros negros, irmandades negras, clubes de negros, diversões para negros – face à simples impossibilidade de esses negros circularem sem problemas nos ambientes dos brancos.

Para O Globo, a baixa escolaridade do indivíduo negro e sua conseqüente estagnação nos estratos de renda menos beneficiados da sociedade brasileira ocorrem não por ele ser negro mas por ser pobre.

Aí o editorialista esquece ou não quer lembrar que a situação do negro brasileiro hoje é resultante de um processo abolicionista que, ao instituir uma nova ordem social no país, foi jogando na rua da amargura, sem terra, sem moradia e sem trabalho digno, através de gerações, milhões de ex-escravos e descendentes.

E que, com relação aos livres ou libertos em 1888, a nova ordem os foi empobrecendo e marginalizando, pela preferência que dirigiu à mão de obra recém chegada, principalmente da Europa.

Então, o negro brasileiro, sim, é pobre porque é negro – a palavra aí entendida como sinônimo de “descendente de africano escravizado”.

Diz mais o editorial que as ações afirmativas desafiam “o princípio constitucional da igualdade de tratamento entre todos os cidadãos brasileiros”.

Ora, ora... essa igualdade, todos sabemos, é apenas um princípio constitucional que na prática nunca se realizou.

Se houvesse essa igualdade, o negro não teria “escolaridade relativamente mais baixa” nem se situaria “nos estratos de renda menos beneficiados da sociedade brasileira”, como o próprio texto comentado admite.

Sobre o mérito acadêmico deixado, segundo O Globo, “em plano secundário” pelas políticas de ação afirmativa, perguntamos: que mérito escolar tem, sobre outro menos afortunado, o estudante tranqüilo, saudável, bem alimentado, vivendo em família abastada, letrada e com bem estruturados hábitos de consumo cultural?

Quanto à baixa qualidade do ensino publico no Brasil, servimo-nos de nossa experiência pessoal para lembrar que, em meados da década de 1950, um novo modelo educacional veio colocar por terra a escola em tempo integral, na qual se oferecia aos estudantes carentes de diversas origens uma grade curricular dividida em “cultura técnica” e “cultura geral”, que nos propiciava a todos a possibilidade de acesso ilimitado ao mundo do conhecimento.

E que, pelo menos no nosso ambiente, guindou da pobreza para o sucesso profissional muitos jovens, hoje sessentões, na época nem tão brilhantes nem tão disciplinados quanto poderiam ou deveriam ser.

Finalmente, sobre o “convívio pacífico”, em nosso país, “de várias raízes étnicas” – como se lê no editorial de O Globo – o que vemos no nosso dia-a-dia é mais a impossibilidade, para o brasileiro preto ou afro-mestiço, de sair do seu “lugar de negro”.

Estão aí as telenovelas, as revistas de glamour, as redações, as agências e produtoras, os estúdios de arte etc, que não nos deixam mentir.

Dessa exclusão é que se nutre a violência que abala as grandes cidades brasileiras, a qual se reveste de fortes componentes etno-raciais.

A violência que hoje nos atinge a todos – ela, sim, uma grave ameaça, de caos e destruição – resulta principalmente do fosso que se foi cavando, após 1888, neste triste Brasil em que vivemos, entre os “brancos” e os “não brancos”, até mesmo no terreno lamacento do ilícito penal.

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