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segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

CULTURA


A história oculta do Mercado
Livro e documentário recuperam a história de um assentamento de orixá nos subterrâneos do Mercado Público de Porto Alegre

O príncipe Osuanlele Okizi Erupê desembarcou no Brasil no final do século 19. O mundo novo, para o filho do rei Ovonramwen, da tribo nigeriana dos Benis, era a Bahia ou o Rio de Janeiro. Mas a viagem só chegou ao fim no porto de Rio Grande - local ainda menos central e, portanto, mais distante de sua terra natal assolada pelas disputas por ouro.

Com o nome alterado para Custódio Joaquim Almeida, o nobre africano se estabeleceu em Pelotas. Depois, em Bagé.

Em 1901, segundo relato de seus descendentes, teria sido convidado por Júlio de Castilhos a se mudar para Porto Alegre. Seria o príncipe a última esperança do então presidente do Estado para curar o câncer na garganta que lhe mataria dois anos depois.

Fixou residência à Lopo Gonçalves, 498. Ele e sua comitiva de 48 pessoas, entre familiares e chefes tribais.

Registros de jornais indicam que viveu com pompa e desfrutando de prestígio na cidade. Era proprietário de cavalos de corrida, portava-se em público com elegância e recebia, em casa, líderes políticos como Borges de Medeiros, Pinheiro Machado e Getúlio Vargas.

E também, é claro, a grande população que recém saíra da escravidão e estava em busca de conselhos e proteção.Nos redutos negros de Porto Alegre, a figura de um líder espiritual fazia toda a diferença.

Príncipe Custódio acabou por exercer naturalmente esse papel. Entre suas ações estão os assentamentos de Bará ao longo da Capital. Bará é um dos guias das religiões de matriz africana, é o orixá da abertura de caminhos e da fartura. Assentamento é o ritual de estabelecimento de um local para o seu culto, com a fixação - subterrânea - de um objeto de ferro, pedra ou madeira.Dois desses assentamentos ficavam perto da Igreja das Dores e no próprio Palácio Piratini.

Outros jamais tiveram sua localização revelada - a manutenção do segredo só reforçava seu caráter de proteção; conhecendo sua posição, os detratores das religiões afro ou os ex-senhores de escravos, na visão dos ex-cativos, poderiam destruí-los.O mais marcante deles é o do Mercado Público. Primeiro, porque está num ponto de convergência, construído pelos negros e freqüentado diariamente por 30 mil pessoas de diversas origens. Segundo, por sua resistência: o edifício sobreviveu a três incêndios, em 1912, 1976 e 1979, e à grande enchente de 1941.

Seu santo forte, dizem os babalorixás, deve-se muito ao assentamento que passou a ser chamado de Bará do Mercado.Mas não são muitos os que conhecem essa história. Na reforma do prédio, em meados dos anos 90, os pais-de-santo pediram que a Banca Central, que marca o exato ponto do assentamento, não fosse deslocada.

Foram atendidos em parte - o espaço do Bará continuou preservado, mas sem a escolta da banca e de seu balcão de carnes, presuntos e pães diversos.- Depois daquilo, decidimos nos mobilizar - diz Mãe Norinha de Oxalá. - Porto Alegre não pode desconhecer as suas próprias tradições.

Mãe Norinha idealizou um grupo de trabalho que depois virou a Congregação em Defesa das Religiões Afro-Brasileiras.

Entre as ações da entidade estão o livro e o DVD A Tradição do Bará do Mercado - Os Caminhos Invisíveis do Negro em Porto Alegre. Realizados pela Secretaria da Cultura da Capital e patrocinados pela Petrobras, os dois serão lançados hoje, Dia da Consciência Negra, às 15h30min, no centro do Mercado.-

O próximo passo é a instalação de um cofre no local - projeta Miriam Avruch, coordenadora de Memória da prefeitura. - O ritual de culto ao Bará indica que se joguem sete moedas ao orixá. Hoje essas moedas ficam expostas, no chão. Ao serem recolhidas, elas poderão ser doadas.

A tradição das moedas, explica Mãe Norinha, tem relação com o material do assentamento:- O axé está numa caixa de ferro de 20x40cm.

De caráter acadêmico, livro e filme não descartam outras versões menos badaladas da história - como a que indica que o Bará do Mercado teria sido implantado pelos escravos sem a intervenção de Custódio.- Mas foi o príncipe - garante Mãe Norinha. - O que ocorreu é que, no intuito de preservar o Bará, quando foi repassada oralmente, a história muitas vezes acabou distorcida.

Custódio morreu em 1935, aos 104 anos. O nobre africano não formou nenhum filho-de-santo. Porém, seus descendentes se espalharam pelo Estado e foram fundamentais na constituição do batuque no Rio Grande do Sul.

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